Boaventura Fernandes, o cabo-verdiano na ?terra longe?!
Chego sempre sem avisar. Um abrao apertado ao meu querido pai e ele, todo contente, pergunta-me: "Filha, de novo?". E eu: "Pap no poca de milho-verde?". Oio uma sentida gargalhada e vejo os olhos dele que hoje brilham. o homem da terra, mas sobretudo o homem cabo-verdiano. E isto, o nosso destino. A gente sai de Cabo-Verde, mas Cabo-Verde no sai da gente.
A conversa vai e vem, mas a minha cabea j s imagina o Cabo-Verde em miniatura que existe dentro da horta do meu pai. Nisto, ele traz-me a realidade: "Vieste por ns ou pelo milho?". Enquanto me oferece uma chvena de caf preto e bem quente. Um gole e uma risada, respondo: "Pap, vim pelo milho, e aproveito para ver-vos tambm". E a gargalhada recomea. Sim, j comeo a sentir os ares da minha morabeza. Este homem da terra sabe como ningum trazer o nosso Cabo-Verde" para Portugal e para o corao da sua filha.
o puro xtase! o calor da brasa no meu pescoo e um cheiro do perfume da minha terra querida: o milho assado. H algum cheiro mais atraente neste mundo?
Quase 1500 quilmetros (1.454,52 km) a distncia que me separava deste gosto delicioso de Cabo-Verde que agora sinto na minha boca atravs de uma das principais bases da nossa gastronomia o milho. Algures perto de Sintra (Portugal), tenho os olhos posto nele (meu pai) e sinto-me em casa! Lembro-me com clareza do dia em que chegmos a Portugal. Enquanto os meus olhos brilhavam com a ideia de um mundo novo, o meu pai aparentava ter um olhar distante. Era o da maturidade. O tempo foi passando e eu comeava a ver-me nos seus olhos. Cabo Verde fica-nos com um pedao quando partimos. Uma ferida! Uma ferida que hoje parece ter sarado para o meu pai. Agora, com os ps descalos na terra molhada, a camisa colada ao corpo transpirado, com a enxada na mo e um sorriso que ilumina o mundo. Daqui j no sai. Tornou-se refm. Sim, refm da terra, para que a saudade deixe de doer. Se existe Cabo-Verde em Portugal, aqui.
O meu pai encontrou o refgio na sua horta e hoje encontrei o meu tambm nos olhos dele. Mas, amanh dia de partida. Um outro abrao apertado, guas que nascem dos olhos de quem fica, mas sobretudo dos da filha querida que parte para Paris (Frana), a cidade dos sonhos. Afinal este o nosso destino, "o querer ficar e ter de partir". No entanto, podemos percorrer o mundo, se necessrio, mas sempre voltamos onde sentimos o Cabo-Verde perto de ns. E isto, o ser cabo-verdiano e viver na terra longe!
Crnica de Ftima Fernandes
Crioula, residente em Paris, Frana @fatima_fernandes_8 no Instagram